sexta-feira, março 06, 2009

Clarice e eu























Retrato de Clarice feito por Carlos Scliar



Interessante, hoje, seis de março, eu pensava em falar de Clarice. Estou lendo um livro dela- "Perto do coração selvagem"- , já comentei aqui. Lembrava também que o blog faz aniversário esta semana, comecei num dia três de março, há quatro anos.
Março lembra Chico, meu amigo que morreu no ano passado, fazia anos dia 16, sempre o cumprimentei nestes anos todos- uma vida. Fico triste em saber que este ano ele não ouvirá meus cumprimentos. Ou, melhor, que eu não ouvirei a voz dele do outro lado, feliz, rindo.

Tenho pensado muitas coisas, agora estou com sono... Escrevo direto aqui, vocês sabem.

Vi o filme: "Apenas um sonho" hoje de tarde. É incomodo, dói, é triste.
Um casal que poderia ser feliz, mas não é. Tudo tão realista... Os atores estão ótimos. Leo de Caprio convence no jovem meio perdido e Kate, a parceira do "Titanic", está excelente. Bom ver atores bem.

Mas voltando ao blog. Eu mudei o blog com o tempo, é natural, entrou o youtube com força, muito mais filmes e músicas, mas, confesso que gostava do formato intimista anterior.

Os leitores mudaram, vem muita gente desconhecida via Google, fico feliz quando um se surpreende e me diz algo. Outros leitores são fiéis, meus caros amigos.

Tenho circulado pouco, o que cai mal aqui, mas não consigo mais, envelheci, acho. Ando cansada. Agora com o espaço lá no Luis Nassif ficou pior, gosto de manter o blog lá também atualizado e eles instigam, sugerem coisas novas. Estou fazendo albuns de fotos.

A semana da mulher...

No filme a mulher é chatinha, complicada, pintada com cores mais fortes do que as do protagonista, que é o bom moço, o que se esforça para ficar bem.

Lembrei de Clarice, do livro. Há um trecho do livro onde a mulher fica só e se sente bem, livre. A casa para ela. Não lembro bem o que ela faz, mas é como se naquele instante ela voltasse a ser ela mesma. Clarice no livro se pergunta quem é, diz que se faz enquanto fala. Ficou confuso? Vou copiar este trecho, tem a ver com a psicanálise.

Eu leio de noite, sou resistente a ler à tarde- já leio pela manhã quando dá... se for ler mais fico como minha mãe, que vivia no mundo dos livros, não nos ouvia. Era leitora voraz. Eu voltei a ler, fiquei anos lendo muito pouco, quando voltei da França comecei a ler a Sagan-"Des très bons livres"- e engrenei.
Estou lendo um livro sobre melancolia- aliás dois- o terceiro destes últimos tempos.
A Kristeva em "Sol negro" cita a Clarice, mas muito menos que a M Duras, fala no feminino e na dor que há em ambas, mas diz que nos livros da Marguerite não há refresco, Clarice ainda tem certa ironia. Vou reler este trecho, gostei. Diz que nos livros da Duras o leitor 'coitado'- palavra dela, sofre, nos filmes menos. M. Duras fez 19 roteiros para filmes também. "Hirochima, mon amour" é um deles, famoso e, putz! triste de doer. Vi há anos.



Do arquivo:

Nesta semana em que o mundo homenageia as mulheres, pensei que Clarice Lispector nos representa na literatura, sabia expressar a nossa subjetividade, o que não é nada fácil.

Leiam:

Quem se atreve a definir esta mulher?


Enigmática, para Antônio Callado.
Um mistério, para Carlos Drummond de Andrade.
Insolúvel, para o jornalista Paulo Francis.
Ela não fazia literatura, mas bruxaria, disse Otto Lara Resende.

Em maio de 1976, o jornalista José Castello, colaborador de O Globo, recebe a missão de entrevistar Clarice Lispector. Corre boato de que ela não quer mais saber de entrevistas, mas Castello consegue o encontro.

Dialogam:
J.C. - Por que você escreve?
C.L. - Vou lhe responder com outra pergunta: - Por que você bebe água?
J.C. - Por que bebo água? Porque tenho sede.
C.L. - Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva.

Investigada por pesquisadores apaixonados no mundo todo, Clarice é uma das mais cultuadas escritoras brasileiras. Para muitos, das mais importantes do século 20, no mundo.Clarice nasceu em Tchetchelnik, Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920. Os pais, Pedro e Marieta, junto com as filhas Elisa e Tânia, estavam emigrando para o Brasil. Pararam naquele lugar apenas para Clarice nascer. Com dois meses de vida desembarcava com a família em Maceió, Alagoas, onde viveu por três ou quatro anos.

Mudam depois para o Recife. Em 1929, perdeu a mãe. A menina já escrevia historinhas recusadas pelo Diário de Pernambuco, que mantinha uma página infantil. Elas não tinham enredo e fatos - apenas sensações.

Guardo de Pernambuco até o sotaque. Quem vive ou viveu no Norte tem uma fortuna de ser brasileiro muito especial.

Adolescente, segue com o pai e as irmãs para o Rio. Termina o secundário, dá aulas de português para contornar a crise financeira da família. Entra na Faculdade Nacional de Direito em 1939. No ano seguinte perde o pai. Trabalha como redatora no jornal A noite, onde publica contos. Em 1943, casa com o diplomata Maury Gurgel Valente.

Entre muitas leituras, lia Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Dostoievski "embora não o aprendesse em toda a sua grandeza" e descobriu por acaso Katherine Mansfield à qual foi equiparada posteriormente.
Perto do coração selvagem, primeiro romance, publica em 1944. ela o havia escrito aos 19 anos. A jovem revelação desnorteia a crítica. Há os que buscam influências, invocam certo temperamento feminino. Outros não a entendem.

Não sei o que quero e, quando descobrir, não preciso mais. Acho que quero entender.

Quando escrevo, vou descobrindo, aprendendo. É um exercício de aprendizagem da vida.

Viveu em vários países, acompanhando o marido. Nápoles, Berna, Washington se revezam com passagens pelo Brasil. A vida de mulher de diplomata não lhe agradava. Em 1947, escreve às irmãs:Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês.

No exterior lhe nascem os dois filhos. Mãe, Clarice divide-se entre as crianças e a literatura.

Separada do marido em 1959, volta ao Rio com os filhos. Mais um período de dificuldades afetivas e financeiras, apesar de já ser escritora famosa, com obras publicadas no exterior. Em todo a década de 1960, colabora em vários jornais e revistas para sobreviver, faz traduções. Em 1969, já era autora de obras importantes como O lustre (romance, 1946); Laços de família (contos, 1960); A maçã no escuro (romance, 1961); A paixão segundo G.H. (romance, 1964); Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (romance, 1969).

Incomodava-se com sua mitificação: Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.

Clarice morreu de câncer em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos. Poucos meses antes concedeu célebre entrevista a Júlio Lerner, da TV Cultura. Ela acabava de terminar A hora da estrela. Escrever era vital para a misteriosa Clarice. Na última entrevista confessava:
Quando não escrevo, estou morta.
Em 1975, convidada a participar do Congresso Mundial de Bruxaria na Colômbia, limitou-se à leitura do conto O ovo e a galinha, um conto meu que não compreendo muito bem. Na década de 1990, o escritor Otta Lara Resende advertiu José Castello, que escrevia biografia de Clarice:
Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria.
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ReferênciaAlmanaque Abril de Cultura popular. n. 32. São Paulo: Elifas Andreato, nov. 2001

Um comentário:

Laura Macedo disse...

Parabéns pelo post da Clarice e pelo blog como um todo. Valeu!
Beijos.
Laura Macedo.