domingo, abril 06, 2008

Eu não sou da sua rua/ Há brilho em Esmeralda




Eu não sou da sua rua

Depois de passar dez anos morando nas esquinas de São Paulo, Esmeralda Ortiz, ex-menina de rua, prova que é possível achar um sentido para uma vida errante

Por Filipe Luna na Cult


Nem todos os becos são sem saída. Esmeralda Ortiz perambulou muito, mas achou o caminho que a levou para longe das calçadas depois de 10 anos sem teto, endereço ou CEP. A moça foi, durante uma década de seus 28 anos, uma menina de rua. Com direito ao pacote completo. Entrou e saiu umas cinqüenta vezes da Febem, roubou, cheirou cola, fumou crack, sofreu abuso sexual. A rotina dos fantasmas da cidade que passam propositadamente despercebidos para os transeuntes. Toda essa história Esmeralda contou no seu primeiro livro, Porque não dancei, que narra uma impressionante trajetória de recuperação de uma vida quase perdida. De fato, quem vê e conversa com essa mulher feita hoje, mal pode acreditar que é a mesma pessoa de quem a vida abusou por tanto tempo. Difícil crer que era essa a mesma adolescente que, louca de crack, brincava de pega-pega com a polícia; ou a menina que apanhava diariamente da mãe antes de fugir para a rua; ou a que foi estuprada na linha do trem.

Esmeralda começou a reescrever sua história iluminada pelo fio de luz que entrava na sua cela na Febem com um cotoco de lápis dado pelo diretor e mantido sob segredo constante, para evitar tomar pauladas dos funcionários. Quando deixou a rua e o crack, a menina encontrou no projeto Aprendiz, de Gilberto Dimenstein, a direção para começar a se tornar a mulher que é hoje. Com o apoio dele, escreveu e publicou seu catártico primeiro livro. Depois veio O diário da rua, sua segunda aventura como escritora. Nesse meio tempo, Esmeralda ganhou educação - enfrentando suas próprias deficiências para terminar a faculdade de jornalismo - e um rebento - Kadu, seu filho de 3 anos, que cria sozinha em sua casa em Pirituba, zona oeste de São Paulo. É esse desenrolar de seu roteiro que ela contou para a CULT nesta entrevista, provando que pode haver vida depois da rua, que é possível carregar o peso que ela suportou na sua errância sem partir as costelas e começar a escrever um final diferente para uma história destinada a ser estatística.

CULT: Como foi seu percurso depois que fez seu primeiro livro?
Esmeralda Ortiz: Quando saí da rua eu tinha uma meta: estudar. E quando escrevi meu livro a meta cresceu mais ainda. Teve até uma menina que saiu da rua, e escreveu um livro também, que se suicidou depois que terminou. Eu entendo. Fiquei mal, meu. Queria me enfiar em qualquer buraco. Mas não queria ser apenas uma escritora que saiu da rua e conseguiu fazer um livro, eu queria quebrar esse padrão. Fui estudar, investir na minha educação. Entrei na faculdade Anhembi-Morumbi. O reitor me ligou oferecendo uma bolsa. Ligou também o dono da livraria Cortez me oferecendo uns livros. Pessoas que nunca tinha visto, me ajudando, isso faz valer a pena. A faculdade foi muito legal, mas mesmo assim, sofri um pouco de preconceito. Pelo meu jeito... Primeiro é cultural, por ser ex-menina de rua trago essa cultura de lá. Não vou chegar na faculdade como os caras, com tudo certinho. Então, fazia a maioria dos trabalhos sozinha. A única pessoa que fazia trabalho comigo era o Bene, meu amigo. Tinha uma professora que começou a me perseguir muito. Até pensei em processar ela por preconceito.

CULT: Por que ela perseguia você?

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