segunda-feira, dezembro 03, 2007

Diz a lenda da salamanca do jarau...

O livro da Márcia Tiburi é baseado na lenda da salamanca do jarau, que conta...


A LENDA DA SALAMANCA DO JARAU

(Lenda Gaúcha)


Rosane Volpatto


Há muitos séculos, quando caiu o último reduto árabe na Espanha, os mouros foram obrigados a fugir e acabaram aportando no sul do Brasil. Trouxeram consigo uma jovem princesa, transformada por magia, em uma enrugada velhinha, a fim que não fosse reconhecida e aprisionada.

Logo de chegada, deram com o Anhangá-pitã, o demônio dos índios. Contaram-lhe toda a história e o diabo resolveu ajudá-los. Deste dia em diante, a linda princesa passou a ser uma salamandra com a cabeça de pedra brilhante ou "Teiniaguá" e viveria em uma lagoa no morro do Jarau.

Mas eis que um dia, um moço sacristão que morava atrás da Igreja da aldeia, assoleado com o calor veio até a lagoa, com o intuito refrescar-se. Assustou-se ao verificar que a água fervia, feito chaleira quente e, de repente no meio dela surgiu a própria Teiniaguá. Ficou pálido de medo, pois sabia que tal bicho tinha parte com o diabo, mas sabia também, tratar-se de uma linda princesa moura jamais tocada pelo homem e aquele que conseguisse conquistar seu amor, seria feliz para sempre.

Num gesto rápido, o sacristão agarrou-a, colocou-a dentro de uma guampa e encaminhou-se às pressas para os seus aposentos atrás da Igreja. À noite ao descobrir a guampa, eis que se opera um milagre, a Teiniaguá tinha voltado a ser princesa e lhe sorriu pedindo-lhe um pouco de vinho. Louco de paixão, correu até a sacristia e roubou o vinho do padre. Todas as noites era a mesma coisa, uma romaria até a Igreja na busca do vinho, até que os padres começaram a desconfiar do sumiço inexplicável da bebida e invadiram o quarto do moço. A princesa tomada de susto, transformou-se em Teiniaguá e fugiu para as barrancas do Uruguai e, o sacristão, coitado, acabou preso.

Um crime tão terrível, roubar o vinho sagrado de Deus, só poderia ter uma pena à sua altura, e o moço foi condenado a morte no garrote vil.

No dia da execução, toda a aldeia reuniu-se em torno da Igreja. Teiniaguá sentiu um aperto no coração, pressentindo que algo ruim estava para acontecer. Se utilizando de magia, começou a procurar o seu amado, abrindo sulcos na terra, até chegar à igreja, no momento em que lhe foi possível interromper o garrotear do sacristão. Se ouve a seguir, um estrondo muito grande, que produziu muito fogo e fumaça e tudo afundou.

A princesa conseguiu salvar seu amado, mas os dois ficaram confinados a uma caverna muito funda e comprida no Cerro do Jarau e só se libertariam de tal encantamento, quando surgisse alguém capaz de vencer todas as provas de coragem e, depois de realizar um desejo que lhe seria concedido, desistir dele.

Duzentos anos se passaram sem que ninguém tenha conseguido quebrar o encanto. Até que em uma tarde linda de primavera, campeando o gado, Blau chega à furna de Jarau. Conhecia a lenda, pois sua avó charrua já tinha lhe assoprado no ouvido quando era criança. Sendo assim, foi entrando. Saudou o antigo sacristão das Missões e submeteu-se a todas as provas de coragem sem pestanejar. Ao término delas, foi levado à presença da salamandra encantada, que alertou-o sobre o consentimento de um desejo.

A resposta do gaúcho a espantou:

- "Não desejo nada"

A princesa ficou cabisbaixa e desiludida, pois necessitava que ele aceitasse algo para que pudesse desistir depois, tal qual rezava uma parte do encantamento.

Quando o gaúcho montava seu cavalo para ir embora, o sacristão alcançou-lhe uma moeda de ouro como lembrança de sua estada. Sendo assim, não podia fazer desfeita e colocou-a no bolso.

Durante muitos dias, Blau nem lembrou mais do acontecido e até tinha esquecido da tal moeda. Então, lhe apareceu um bom negócio, um amigo queria desistir de criar gado e dizia-se interessado em vendê-los. Foi quando puxou a guaiaca e lembrou-se da moeda. Todos os bois não poderia comprar, mas quem sabe um? Retirou a primeira moeda, mas pelo peso percebeu que havia mais e saiu então uma segunda...uma terceira... e assim de uma em uma, conseguiu as moedas necessárias para efetivar a compra.

O amigo surpreso, tratou de espalhar a notícia. E todos ficaram estarrecidos, pois Blau era um gaúcho pobre, que não tinha "eira nem beira", de onde teria vindo tanta riqueza? Todo mundo sabe, que boato é que nem fogo, quando pega, ninguém segura, de ouvido em ouvido cogitava-se que o homem tinha feito um pacto com o diabo. Depois que correu a fama, ninguém mais quis vender-lhe nada. Tinha gente que se desviava quilômetros só para não encontrá-lo.

O gaúcho começou a sentir saudade de sua vida de antes. Algum tempo depois, não agüentou mais. Só tinha um modo de consertar tudo, era devolver a moeda mágica. Foi exatamente o que tratou de fazer. Partiu então decidido.

Chegando à entrada da gruta, contou toda a sua estória ao sacristão, depois pegou a moeda, colocando-a na mão do homem, dizendo:

- Eis aqui sua moeda. Agradeço-lhe o presente, mas não preciso dele. Rico eu era dono de alguma coisa, mas como pobre recebo de herança o mundo.

O encantamento foi quebrado com uma grande explosão. Das furnas saíram os dois condenados, transformados em um belo par de jovens. Casaram-se e trouxeram descendência indígeno-ibérica aos povoados do Rio Grande do Sul.

Eu agradeço a Salamanca do Jarau
Por me ensinar o que aprendeu com "velho" Blau:
Com ALMA FORTE e SERENO CORAÇÃO
Achei meu rumo pra sair da escuridão.
Vi uma luz no ritual do Chimarrão,
E descobri que é a Cordialidade
Que nos conduz à real felicidade.

Avante, cavaleiro mirim!
Em frente, veterano peão!
Lado a lado, prenda e prendinha!
Todos juntos dando a mão.
Avante, seguindo os avós!
Em frente, trazendo os piás!
Coisa linda é se ver gerações
Convivendo em santa paz.
E dá uma gana de sair dançando, ou gritando com força juvenil:
"Viva a TRADIÇÃO GAÚCHA
dos campeiros do Brasil"

Luiz Carlos Barbosa Lessa

Na lenda da "Salamanca do Jarau", visualiza-se um motivo mítico, incrustado na tradição: a atração que exerce a mulher sobre o homem, quando esta, apresenta-se metamorfoseada em um animal e sob o total domínio de seu instinto. Deste modo, ela age como fêmea, mulher demoníaca, recusando-se a dar expressão às considerações humanas. O personagem Blau, por sua vez, representa num só paradigma as características essenciais do gaúcho e é o elemento que assegura a ultrapassagem regionalista para alcançar o território da universalidade.

O imaginário gaúcho apresenta sempre temas contrastantes, decorrentes da miscigenação de raças e tradições que aqui foram chegando. Ao contrário do pensamento da maioria, o sul (Rio Grande do Sul), sempre acreditou na magia da diversidade cultural e apostou nela. Seus contos, lendas ou músicas, retratam um pouco das atividades, sentimentos e caráter de cada um destes povos.

As tradições de cunho regionalistas, aqui cristalizadas, são as expressões máximas dos diversos mundos espalhados pelo mundo, por isso serem elas tão enriquecedoras.

O cavaleiro gaúcho viveu sua época dourada no final do século XIX, junto com o surgimento da literatura romântica, portanto a formação deste mito é bem recente. O símbolo do gaúcho representa uma imagem sem definição e que transcende o seu significado e seu mito exprime uma experiência que todos nós gostaríamos de viver.

O cavaleiro gaúcho é um arquétipo universal: é um homem honrado, honesto, hospitaleiro, amigo de todas as horas, audacioso e corajoso. Ele, como se observa, possui os mesmos atributos que o cavaleiro medieval. Entretanto, este herói mítico vive num mundo só seu, gauderiando os pampas, livre, leve e solto, deixando-se carregar pelo vento minuano, que assobia e assopra nas verdejantes coxilhas. Vivendo de acordo com suas próprias regras, conforme o famoso poema:

"Quem é gaúcho de lei,
E bom de guasca de verdade,
Ama, acima de tudo,
O bom Sol da liberdade.
Nos campos da minha terra,
Sou gaúcho sem patrão;
De a cavalo, bem armado,
Minha lei é o coração."
(Meyer, p.37)


Colaboração de Rosane Volpatto para a Jangada Brasil


Aqui
tem mais sobre o livro, eu só li o primeiro capítulo ainda, e estou achando muito interessante, depois conto mais.
É estranho porque salamandra é o réptil, mas Salamanca é a cidade espanhola, parece que a personagem veio de lá de lá, por isso é salamanca e não 'Lenda da salamandra'... Eu tenho certeza que descendo dos mouros, meu avô era espanhol -Diz- acho que de Cadiz, minha mãe diz :)e por acaso nasci lá no sul- Rio Grande, mas isto foi acaso, meu pai, militar, foi servir lá nos pampas- na fronteira, depois foi para Cachoeira onde nasci.

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