domingo, novembro 11, 2007

Conto: O caso


Foto Fernando

O caso

Ele disse:
- Ficamos por aqui, nos vemos na terça.
Lágrimas aqueciam a face gelada pelo ar exageradamente frio. Desta vez ele não lhe ofereceu lenços de papel.
Foi caminhando para casa, o sapato alto incomodava, mas não se importava. Tropeçou várias vezes, quem a visse diria que havia bebido. Passou por alguns bares, pensou em sentar e pedir uma dose dupla, mas não, precisava exorcizar aquela dor.
Nada aconteceu naquela noite que lembre, estava anestesiada.
O telefone a acordou ao meio dia, uma amiga diz que haveria uma palestra de seu analista naquela noite.
Sentia a boca amarga, estava exausta, a outra perguntou:
- “O que houve? Está doente?”
- “Não, não houve nada”, respondeu.
O auditório cheio a incomodou, ficou do lado de fora, aguardando. Ele chegou alguns minutos antes da hora marcada. Vestia cinza, parecia mais velho. Estava com um grupo de amigos, gente alegre, como pássaros em algazarra. Ela foi até ele e estendeu a mão, ele sorriu.
Ela indagou:
- "Posso entrar com você?".
Ele respondeu:
- "Não". E sorriu tenso. "Estes (falou, olhando em direção ao grupo), são meus alunos..."
Ela pensou em sair dali, desaparecer, mas sabia que precisava ficar.
Entrou no auditório, encostou-se na parede. Ali, no fundo, ele não a veria, entendeu que ele não a queria lá.
Fez-se silêncio. Ele foi apresentado por alguém.
Disse que se tratava de um caso clínico, uma mulher que atendeu há alguns anos, e que chamaria "Laura" - um nome fictício.
E a descreveu, falou nela como alguém que dissecasse um cadáver. O coração acelerava à medida que ele avançava.
Como ele fez isto? Desnudou-se diante daquele homem durante três anos, confiou nele.
À medida que o ouvia uma tensão crescia dentro dela, não sentia desejo de chorar, mas de gritar.
Quando acabou sua fala, os aplausos explodiram e ele foi cercado. Sorria exultante.
Ela foi em direção ao palco. Esperou uma brecha e disse: "Esta, sou eu". Ele sorriu nervoso e confirmou: “É você, Laura”.
Saiu dali sem saber quem era aquele homem. Saiu dali com a sensação estranha de que tudo o que viveu nos últimos anos foi uma farsa. Saiu dali vulnerável, lesada, roubada.
Sente-se, agora sim, Laura,'a louca'.

PS: Aviso aos navegantes: é ficção, viu? Inventei sobre uma sensação que tive, só isto. Estou mais lúcida que antes. Muito mais.

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