sexta-feira, junho 08, 2007

Fascínio, etc e tal...


















Ontem fui dormir com
Marlon Brando
. Explico: comecei a ler madrugada adentro a biografia escrita por ele. Uma delícia. As fotos... ah! as fotos... Deus meu! Como era belo! Desde menino, lindo demais. Vou escanear qualquer dia, hoje não vai dar, tenho coisas para fazer- a faxineira não veio estes dias. Oh! tenho que pendurar roupas, já, já, ver o almoço.
Vocês sabem que ele é meu ator preferido, depois vem Mastroianni, quem mais? sei lá, outros, mas é ele quem me fascina.
Marlon Brando, Chico Buarque, Raduan Nassar, e mais alguém, que não posso revelar aqui, me tiram do sério. Brando já se foi, chorei de tristeza. Que vida triste a dele! Os filmes não signicavam grande coisa para ele. Não queria ser um astro. Há pessoas que eu não quero perder de vista, perder de qualquer forma, seria dolorido demais.

Estes dias estive querendo colocar aqui muitas coisas. Se não cansasse tanto faria 3 posts por dia.

Vocês sabiam que o site "Nomínimo"
vai acabar no final do mês? Pois é, inteligência neste pais não tem vez, só mediocridade- ia escrever um palavrão, mas sou mais educada aqui no virtual. Putz! é inacreditável que o patrocinador não queira mais investir em vinte e poucos jornalistas. Vão até lá se solidarizar. É o mínimo que podemos fazer.
Coloco hoje um artigo excelente de Paulo Roberto Pires, para vocês lerem e lamentarem, mais ainda. Ele fala de perda, muito bem, vale a pena gastar uns minutinhos lendo- afinal somos todos tomados por perdas pela vida afora.

Queria também, há dias, falar do livro do Marcelo Coelho, eu li uma resenha elogiando muito, eu o leio no blog. Vocês conhecem? É inteligente e super gente fina, não é arrogante. O blog traz cultura em geral, sabem que eu gosto.


Aqui o artigo do Pedro Paulo:

A arte de perder

Paulo Roberto Pires


05.06.2007 | A verdadeira dor, dizia Nelson Rodrigues, dança mambo. A viúva de seu mítico subúrbio, não só não sofre calada como trepa no caixão e, sacudindo os ombros como uma dançarina de Perez Prado, grita de horror sobre o falecido. Ao intelectual, que raramente dança - mambo, nem pensar - escrever é a forma mais comum de purgar a morte do outro, amigo ou amante, marido, mulher. É, citando mais uma vez o Nelson, o berro impresso não nas manchetes, como ele dizia da cobertura de futebol, mas na escrita de memórias, ficção, ensaio ou poesia. A dor da gente pode não sair no jornal, mas imprime, e muito bem, em livro.

Há exatos 90 anos, o doutor Freud ensinou em “Luto e melancolia” que, quando “mal feito”, o luto pode nos lançar numa dor e tristeza sem fim: privados do objeto de nosso amor, acabamos tendo um prazerzinho mórbido em cultivar sua falta, reafirmar nosso desamparo e, desta forma, adiar infinitamente uma desejável (e às vezes impossível) “cura”, já que ficar “enfermo” é manter uma ligação com quem ou o que se perdeu. Conformar-se não é, no entanto, suficiente. É preciso meter o pé na lama, ruminar as perdas e, finalmente, mostrar quem manda na casa: você, com sua vontade; ou a tristeza, com sua força insidiosa e devastadora.

Superar isso é, como escreveu Elizabeth Bishop, “Uma arte”*. O poema com esse título é o inventário de uma mulher baleada pelo saldo, pouco favorável, das perdas e ganhos. “A arte de perder”, escreve ela, “não é nenhum mistério”. E vai adiante, na excelente tradução de Paulo Henriques Brito: “Perdi duas cidades lindas. E um império/ Que era meu, dois rios, e mais um continente./ Tenho saudades deles. Mas não é nada sério./ - Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo/que eu amo) não muda nada. Pois é evidente/ que a arte de perder não chega a ser mistério/por muito que pareça (Escreve!) muito sério”.

Está lá, gritando como uma viúva rodrigueana, com exclamação e tudo - escreve! – um dos depoimentos mais sucintos e eloqüentes sobre uma das formas mais comuns e eficientes de botar a dor porta afora. E se não chega a haver uma “literatura do luto”, como um gênero, de dois anos para cá, por coincidência ou não, grandes escritores, acometidos por grandes dores, resolveram botar no papel seu sofrimento. Destes relatos, o de maior repercussão foi O ano do pensamento mágico, em que Joan Didion, musa do período heróico do new journalism, faz uma estranha auto-reportagem sobre a morte súbita do marido, o também escritor John Gregory Dunne, enquanto a filha dos dois sofria no hospital uma rara doença que terminou por matá-la pouco depois do lançamento do livro.

Em “Point to point navigation”, segundo e desorganizado volume das memórias de Gore Vidal, as mais belas páginas dão conta da morte de Howard Austen, com quem o escritor viveu por 50 anos e que foi lentamente consumido por um câncer. A descrição de um de um dos últimos diálogos é belíssima: “‘Você não quer conversar?’, perguntei. Depois de um longo silêncio, ele balançou a cabeça negativamente. ‘Por que não?’ ‘Porque’, disse ele, ‘há coisa demais para dizer’”.

No breve “About Alice”, Calvin Trilling, jornalista e poeta que é uma das instituições da “New Yorker”, descreve menos a morte do que a vida de sua mulher, personagem obrigatório de todos os seus livros que os leitores americanos tratavam como alguém da família. A história de Trilling é um pouco diferente, pois o livro é obra de um homem já recuperado, purgado. Há, nesse caminho, pelo menos dois antecedentes ilustres, “A grief observed”, de C. S. Lewis, breve e duro (duríssimo) relato da morte da mulher do autor de “As crônicas de Nárnia”, e, é obvio, “A cerimônia do adeus”, em que Simone de Beauvoir narra dolorosamente os últimos dias de Jean-Paul Sartre.

Simone e Sartre são os melhores parâmetros para o luto impresso que mais me tocou nos últimos anos. Não é assinado por um escritor, mas por uma artista, a fotógrafa Annie Leibovitz; não constrói lembranças e ambientes, de forma mais literal os expõe em portraits ou instantâneos; não fala da morte ou do amor, mostra seus sinais externos e mais evidentes nos 15 últimos anos de vida de Susan Sontag, a ensaísta e romancista que nos últimos tempos melhor encarnou a figura do intelectual engajado e que com Leibovitz dividiu parte importante e sofrida de seus 71 anos.

“Eu não tenho duas vidas”, diz a fotógrafa no prefácio de “A photographer’s life 1990-2005”, explicando porque os momentos de intimidade com Susan estão no centro do que poderia ser uma mera retrospectiva de seu trabalho. Por isso, entre Demi Moore linda e grávida na capa de Vanity Fair, o assustador retrato posado de George W. Bush e seu staff e as ruínas, fumegantes, do World Trade Center, está Susan Sontag dormindo depois do almoço na casa de campo, conhecendo o Egito, trabalhando em seus romances, nua na banheira e, de forma mais terrível, enfrentando quimioterapias e, finalmente, a morte.

Este duro adeus despertou, previsivelmente, reações negativas baseadas na má consciência (como é comum nas literaturas do luto, acusa-se o sobrevivente de explorar nome e imagem do morto) e na pudícia. E tome condenação de quem se sentiu chocado com a crueza das imagens, discutindo, sempre em termos genéricos e vagos, a “invasão da intimidade” ou a “exposição”. Em seu último livro, “Diante da dor dos outros”, um duro ensaio sobre como nos posicionamos historicamente diante das imagens da guerra, a própria Sontag observou que “o sofrimento decorrente de causas naturais, como enfermidades ou parto, é escassamente representado na história da arte”. Aí está, para mim, a melhor explicação para a estranheza destas imagens, que incluem ainda os filhos que Leibovitz teve por inseminação artificial e através de uma barriga de aluguel, os flagrantes de sua família e, inclusive, a morte do próprio pai.

Em 1981, quando lançou “A cerimônia do adeus”, Simone de Beauvoir foi enxovalhada por expor o grande intelectual do século XX em sua precariedade física. Sartre confunde as coisas, sofre de incontinência urinária, depende mais do que nunca das mulheres, tiraniza-as freqüentemente. Quem está ali é, no entanto, o mesmo homem que propôs a ela a vida entre os amores necessários e contingentes; são, ambos, o mesmo casal que tornou praticamente impossível um casamento livre de questões essenciais sobre liberdade e afeto; e afinal, para repetir Annie Leibovitz, Simone “não tem duas vidas”.

Numa das mais belas descrições do que Sartre chamava o “amor necessário”, o que permanece numa vida inevitavelmente pontuada por tantos outros, “contingentes”, Simone descreve sua reação ao saber, no hospital, que Sartre havia finalmente morrido. Ela pede que os deixem a sós por um tempo. Na cama, coberto por um lençol, está um corpo macerado pela longa internação, tomado por infecções. Ignorando as advertências de uma enfermeira, Simone deita-se a seu lado e dorme profundamente antes que se tomem as providências para o funeral.

O equivalente perfeito, em contundência e perturbação, está na edição que Leibovitz faz dos últimos momentos no hospital. Susan, que sempre posava bela e estilosa, está literalmente irreconhecível, ligada a aparelhos. Morrendo. A seguir, uma série de flagrante feitos com uma câmera digital descrevem detalhadamente o cadáver: as mãos, os pés, o rosto, os braços marcados. Não são fotos “de fotógrafa”, são fotos de desespero, documentais, cruas, lavadas em seu colorido inexpressivo, que preparam, aí sim, a intervenção da artista: o cadáver é novamente retratado em preto-e-branco, a imagem dividia em quatro cartões, banhados em sépia, evocando os retratos de um Nadar. Depois, há uma imagem contundente de Nova York nevada, em que Annie olha de seu apartamento o apartamento de Susan, poucos dias depois de sua morte.

Há ainda uma imagem, fantasmagórica e triste, do túmulo em que Sontag foi sepultada, antendendo à sua vontade, no cemitério de Montparnasse, em Paris. É baixo, de mármore negro, discreto, e parece protegido no meio de uma linda clareira – esse cemitério é, apesar do corvos que o sobrevoam, um dos mais belos que conheço. A poucos metros dali, logo à esquerda do portão de entrada, estão, juntos, Simone e Sartre.

Além de organizar a dor, toda esta literatura do luto constitui, na verdade, um conjunto de lindas histórias de amor. São relatos da conjugalidade, de como duas pessoas fazem de uma opção entre tantas outras – viver junto com alguém – o movimento mais essencial de suas vidas. A dor do sobrevivente é terrível não apenas porque o priva do dia-a-dia compartilhado, mas porque o lança impiedosamente à solidão mais essencial. O casamento, escreve Joan Didion, “não é apenas tempo. Paradoxalmente, ele é também a negação do tempo. Durante quarenta anos, me via através dos olhos de John. Eu não envelheci. Neste ano, pela primeira vez desde os meus vinte e nove anos, eu me via através dos olhos dos outros”.

Aí está, precisamente, o que se perde. E que Jacques Derrida sintetiza brilhantemente numa citação que Elizabeth Roudinesco faz a respeito da morte do próprio filósofo em seu livro mais recente, “Filósofos na tormenta” - valendo para o casal, é claro, o que vale para o amigo : “Ter um amigo, olhá-lo, segui-lo com os olhos, admirá-lo na amizade, é saber de maneira um pouco mais intensa e antecipadamente contristada, sempre insistente, inesquecível cada vez mais, que um dos dois fatalmente verá o outro morrer. Um de nós – diz cada um consigo - , um de nós, chegará esse dia, ver-se-á não mais vendo o outro”.


Email Pedro Paulo Pires: prp@nominimo.ibest.com.br

Site Nomínimo

Email Marcelo Coelho: coelhofsp@uol.com.br




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