quarta-feira, março 21, 2007
Contos 'Revista piauí/ março.
Como vcs sabem estou tentando o concurso da 'Revista piauí'(do João Moreira Salles e outros), não tem nada a ver com o Piauí daqui do nordeste, viu?
Todo mês tem uma frase para a gente encaixar. Este mês foi a esdrúxula:
"Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo"
Pode parecer autobiográfico, mas não é, naturalmente tem coisas que eu ouvi, mas é ficção, viu?
Eles estão aqui, fiz dois:
Conto I
Mamãe faz 90 anos
Fazia um calor insuportável aquele dia. O ventilador de teto não adiantava. Todos diziam que era o pior verão de todos os tempos.
- "Vocês têm que agradecer a Deus", disse minha prima, que veio do subúrbio ver minha mãe. Era aniversário da velha.
- "Agradecer, por quê?" Eu perguntei.
- "Porque só vai piorar e muitos morrerão".
- "Eu estarei noutra”, disse rindo e calei-me. Ela é fanática por uma seita religiosa.
- "Vocês viram o ventríloquo na TV no domingo passado? Foi um barato, eu adoro”, disse minha irmã, sentada na mesa, onde comia sem parar.
- “Ventríloquo? Não acredito que você goste de ver aquela cena patética: um cara com um boneco idiota no colo dizendo coisas estúpidas”, solta meu irmão, que, até ali, estava calado bebendo seu vinho de segunda.
- "Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo", disse minha mãe.
Eu e minha irmã nos entreolhamos contendo o riso.
- "Seu tio é ventríloquo, mãe? Qual tio?" Eu perguntei em tom irônico. Imagino que esteja inventando, até porque os tios dela a esta altura já se foram.
- "Você sempre me interpelando, sempre me antagonizando. Só pode ser carma", disse minha mãe.
- "Carma, mãe, faz favor... é melhor a gente parar esta discussão, vocês sabem que detesto esta conversa de carma, religião... Papagaiada que não leva a nada".
- "Você verá no dia do Juízo Final. Verá como existe esta papagaiada, como você diz".
- "Viu como a senhora me roga praga?"
- "Eu? Nunca roguei praga contra filho nenhum”!
- "Acaba de rogar".
A velha se calou, eu fui até a varanda respirar ar puro. Não acredito no Juízo Final, mas conheço a força da palavra das mães.
Naquele momento, desejei voar pela janela. Lembrei do meu filho único e não me alei.
Seria uma vingança. Mas acredito que ela olharia de cima e diria:
- "Estúpida, foi fazer isto logo no dia do meu aniversário, filha da puta".
Conto II
Fresta
Era madrugada, acordei com uma mulher, na rua, gritando:
"Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo".
Olhei pela fresta da veneziana e vi uma mulher de costas, pernas finas, cabelos ruivos, crespos. Usava um vestido muito curto, vermelho; saltos altos.
No meio da rua, de frente para mim, um homem de traços finos, usava um terno escuro- não sei se azul- cabelos grisalhos, barba bem aparada. Como me lembro disto tudo se estava quase dormindo? Perdi o sono, eles discutiam feio. Estavam embriagados, quase caiam. Eram tão diferentes... Eu tentei entender. Quando se distanciavam da janela, queria ver mais. Pelo tom rancoroso a relação era íntima. Ela avançava nele gritando, ele a continha com braços firmes. Um carro veio em alta velocidade, ele subiu na calçada, chegou perto dela, bem embaixo da minha janela. Pensei que fossem se beijar.
Ele disse:
- “Vamos, mãe, para casa, eu levo você no colo, se quiser”.
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