quarta-feira, março 26, 2008

Drummond e eu I. Arquivo














É carnaval, eu sei, mas como eu não entro no rítmo, coloco para vocês esta historinha e um belo poema de Drummond.

Criei este blog meio sem pensar, como faço muitas coisas na vida, não que eu não quisesse um blog, mas foi de repente, já contei antes.
Ontem eu disse no final do post que é difícil escrever depois de Raduan, Drummond e Pimenta.
Desde o início venho lembrando o Drummond, o Carlos, tenho muito cuidado ao falar de Drummond, é uma pessoa muito especial.
Eu e Drummond nos cruzávamos nas ruas de Ipanema, ele em direção à rua Barão de Jaguaribe, eu em direção à Rua Visconde de Pirajá. Durante anos nos cruzamos, eu dizia: “Boa tarde, poeta” e seguia, ele olhava timidamente e respondia. Nossos horários coincidiam, lá pelas três da tarde (engraçado, é o titulo de um conto do Raduan). Drummond, depois me contou que ia visitar uma namorada há 30 anos- dizia gaiato, se você somar os anos de namoro e de casamento dá mais de 80 anos- que era o que ele tinha na época.
Em 2002 a imprensa festejou os seus 80 anos, eu pensei em escrever uma carta e lhe entregar, mas aí um dia, nestes meus rompantes, eu o parei e disse que queria cumprimentá-lo pelos 80 anos. Ele disse qualquer coisa que não lembro-tipo eu não mereço, ele costumava dizer estas coisas- dei-lhe um abraço e segui cheia de ansiedade em direção ao meu consultório- o pior é segurar a ansiedade sem poder falar com ninguém até encontrar um amigo,( lembram da piada do cara que está numa ilha deserta com a Sharon Stone?), para os clientes não podia contar.
Continuei mais dois anos, eu acho, só o cumprimentando, até que um dia eu estava no restaurante da Creuza, uma atriz que tinha um delicioso restaurante caseiro na rua Barão da Torre, mostrando meus desenhos- ela comprou uma aquarela de uma bela fatia de melância. Nunca mais repeti o desenho. Quando Drummond passou, lá pelas 6 da tarde, eu o chamei e disse que queria lhe dar um desenho, ele olhava os desenhos e dizia: ”Eu não posso aceitar, são muito lindos, mas você poderia fazer ilustrações de meus poemas eróticos...”, eu argumentei dizendo que ficaria ofendida se ele não aceitasse, que era um prazer lhe dar um desenho, etc. Aceitou, pegou meu endereço e telefone e saiu apressado-mais apressado que ele só o Chico Buarque andando pelas ruas- este eu não tive a ousadia de parar, nunca, never, o que faria com Chico na frente? Ficaria deslumbrada e infartava!
Dez dias depois recebo pelo correio o poema “O que se passa na cama é segredo de quem ama”, lindo poema erótico, postarei para quem não conhece. Fico sem saber o que fazer, ligo ansiosa para meu amigo Chico, ele diz: ”Ligue para ele”. Liguei e perguntei se o poema era para eu ilustrar ou era simplesmente um presente, respondeu que era um presente, mas que se eu quisesse poderia ilustrar.
Aqui começou uma bela amizade. Eu não ilustrei os poemas dele, ele dizia: “Não vou publicar senão dirão que sou um velhinho tarado”. Tarado não sei, mas sacana era. Drummond me constrangia no telefone, fazia perguntas íntimas cabeludas, eu não queria responder, ele retrucava: “Mas você não é psicanalista?”
Para não entrar em detalhes, conto uma historinha que ilustra bem isto.
Eu o encontrei com a filha na rua Farme de Amoedo, em frente à loja Forma que vendia, ou vende, móveis importados. Após as apresentações ele disse:” Minha filha a Laura é psicanalista. Laura me diga o que significa comprar cadeira?” Eu respondo: “Deixe de brincar, Drummond...” Ele, rapidamente emenda:“Comprar cadeira para ficar ereto”. Era danado mesmo. Uma outra vez me telefona e diz que fez uma crônica para mim, que a personagem da crônica mora numa cobertura, aí diz: ” Você sabe o que é cobertura,Laura? É o que os machos fazem com as fêmeas no cio”. Assim era o Drummond que eu conheci com mais de 80 anos, imaginem antes como não seria? Quando comecei a escrever sobre ele aqui hoje, escrevi que nos cruzávamos pelas ruas, fiz de propósito lembrando dele.
Ele me confessou que sentia desejo por mim, apenas o corpo não respondia mais, e disse uma coisa que me faz muito feliz, afinal ele tinha mais de 80 anos: “Você foi um sangue novo em minhas veias”. Drummond é mais um dos meus casos impossíveis, a diferença de idade era muito grande e eu não o via como objeto de amor. A vida me deu vários casos impossíveis, o maior talvez o Jean Guillaume, mas é outra história, outro caso. Devo ter sido uma amante terrível na outra encarnação, vim pagar os pecados, desejando e sendo desejada por homens impossíveis. Grandes e complicados amores. O pior é que não acredito em reencarnação...

Por hoje chega, outro dia continuo a contar minhas histórias com Carlos Drummond.

O poema que ele me mandou:

O que se passa na cama

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)

É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.

Ai, cama canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima… O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.

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