terça-feira, novembro 07, 2006
Cecília Meireles e o silêncio.
Auto retrato de Cecília.
MInha mãe é apaixonada por Cecília Meireles, fez literatura, escreveu sobre ela. Se eu tivesse tido mais tempo estes dias teria ido lá pegar coisas com ela, mas não deu.
Ela, mãe, tem cartas trocadas entre Cecília Meireles e Helena Kolody, que foi amicíssima de minha mãe, eram comadres, ela era madrinha de minha irmã, deu estas cartas para a mãe, umas dez, não lembro bem. Vocês sabem como fazer para vender as cartas? em leilões de arte?
"Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano".
Cecíclia Meireles
Trecho biografia aqui:
"O pai morreu três meses antes de ela nascer. A mãe, três anos depois. Criou-se com a avó açoriana, numa "infância de silêncio e solidão".
A íntegra:
"Sou capaz de dar a volta ao mundo a pé", costumava dizer Cecília Meireles. Nem que esse mundo fosse a sala de jantar da casa do Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Depois de trabalhar a tarde inteira, perguntava às três filhas pequenas se haviam se comportado bem durante o dia. Verdade ou não, a resposta afirmativa era a senha para se vestirem todas a caráter e viajarem pelos quatro cantos da Terra. Saíam da cozinha, ficavam dando voltas em torno da mesa da sala de jantar e estacionavam na frente de cada objeto. Visitavam lojas imaginárias, faziam expedições ao Oriente olhando os tapetes persas e terminavam a "viagem" carregadas de compras e fantasia. Assim era a poetisa Cecília Meireles, mulher imaginativa, uma viajante percorrendo as civilizações em busca de sabedoria. Passou o ano de 1953 realizando um sonho antigo: conhecer a Índia e o Paquistão, países que tanto admirava. Para cada lugar, uma crônica. E algumas surpresas. Como o bazar de um pitoresco vilarejo paquistanês onde os barbeiros atendiam seus clientes em plena rua e vendedores ofereciam colírios feitos à base do pó raspado de uma pedra.
Cecília nasceu a 7 de novembro de 1901, numa casa simples no andar de cima de um açougue no morro de São Carlos, berço das escolas de samba cariocas. Estava longe de possuir os dotes rebolativos das mulatas. Encantava os homens pela serenidade dos olhos verdes, a suavidade nos gestos e na fala. O pai morreu três meses antes de ela nascer. A mãe, três anos depois. Criou-se com a avó açoriana, numa "infância de silêncio e solidão". Cecília contava que sua maior alegria quando criança foi ter recebido uma medalha de ouro por distinção e louvor do inspetor escolar Olavo Bilac. Aos dezoito anos, já ganhava projeção com os poemas publicados em Espectros. Em 1921, casou-se com o artista plástico Fernando Correia Dias, com quem adquiriu o gosto pelas pinturas a guache e teve as três filhas: Maria Matilde, Maria Elvira e Maria Fernanda.
História de uma letra
Além de poetisa, Cecília mostrava sua faceta jornalística na página de educação que pilotou durante quatro anos no Diário de Notícias. "Foi ela quem promoveu a estréia de Carlos Lacerda no jornalismo, então um adolescente", conta a biógrafa Valéria Lamego. Mais tarde governador da Guanabara, Lacerda homenageou a madrinha de profissão inaugurando a Sala Cecília Meireles, no centro do Rio. Os artigos só foram interrompidos pelas viagens a Portugal (onde a consideram a maior poetisa da língua) e aos Estados Unidos, onde lecionou folclore brasileiro na Universidade do Texas.
Abalada pelo suicídio do marido, em 1935, fez de tudo para reencontrar a felicidade. Cecília consultou uma astróloga, que recomendou: deveria tirar um "L" do sobrenome "Meirelles". Acreditando no valor cabalístico da letra, passou a assinar seus artigos com a nova forma, mesmo sem mudar os documentos. Mas preferia não entrar em detalhes quando lhe pediam explicações: "Muita gente me pergunta se deixei de escrever com letra dobrada devido à reforma ortográfica. Quando estou com preguiça de explicar, digo que sim". A felicidade finalmente chegou no segundo casamento, com o educador Heitor Grillo. Tinha ido entrevistá-lo e não conseguiu anotar uma linha. A matéria do Observador Econômico e Financeiro já denunciava a paixão. A segunda união levantou o astral da poetisa que continuou escrevendo crônicas até o fim da vida, em jornais como A manhã e Folha de S. Paulo.
Introvertida e metódica
Cecília era exatamente o oposto do estereótipo que carrega um poeta. Não fumava, não jogava e nem bebia. Seguia à risca uma dieta macrobiótica. Dormia e acordava cedo, a tempo de fazer o café da manhã, sempre com waffles fresquinhos molhados no mel. Dava ordens aos empregados e trancava-se na biblioteca de manhã e à tarde, metodicamente, com um único intervalo para o almoço. Depois descansava ouvindo músicas medievais, ibéricas e indianas. Colecionava colheres e xícaras de café. Não gostava de aparecer em público, preferindo o recolhimento. Havia exceções. Duas ou três vezes por ano ela mesma preparava um banquete para recepcionar os amigos intelectuais. Nos fins de semana, a família se deliciava com pratos típicos de vários países - um cardápio tão vasto quanto a lista dos lugares que conheceu.
Caseira, introvertida e voltada para a meditação, Cecília sempre manteve seu espiritualismo exacerbado. Em 1961, descobriu que tinha câncer. Contam que quando estava internada no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro onde morreu em 1964, três indianos entraram na ante-sala e ainda tentaram dar as últimas palavras de alento à poetisa, sumindo em seguida. Ninguém confirma a história. Parece mito, mas prova que Cecília Meireles foi adorada por todos que a conheceram. No mundo inteiro.
VOCÊ SABIA?
Numa das viagens a Portugal, em 1935, Cecília Meireles marcou um encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo autor lusitano. Junto com o exemplar, a explicação para o "furo": Fernando Pessoa tinha lido seu horóscopo pela manhã e concluído que não era um bom dia para o encontro.
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Aqui está minha vida.
Esta areia tão clara com desenhos de andar
dedicados ao vento.
Aqui está minha voz,
esta concha vazia, sombra de som
curtindo seu próprio lamento
Aqui está minha dor,
este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança,
este mar solitário
que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.
Mais poemas aqui.
Este texto faz parte de uma blogagem coletiva. Recebi o convite de Cris e de Lino.
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