sexta-feira, outubro 06, 2006

O que eu vou ser quando crescer?

O que eu vou ser quando crescer?

de Augusto César Proença

18/08/2006

Neste mês de agosto completo mais um ano de vida. Para início de conversa, garanto a vocês que entro naquela idade que alguém costuma dizer quando vê a gente passar na rua: “Ih... ele já tá ficando gagá”.

Pois é. Para uns a vida é finita, para outros infinita, apenas as formas são passageiras. Mas a concepção real da vida como um conjunto que tem início, meio e fim, nos permite a atuar com sabedoria nas situações específicas e transformar com maior facilidade os nossos dias em pequenas obras de arte.

Do nascimento à velhice cumprimos diversas fases de vida e recebemos em cada uma delas milhares de lições importantes. Estamos sempre aprendendo porque a vida é uma aprendizagem e se conseguirmos assimilar todas as lições com sabedoria, nos dizem os orientais, isso nos ajudará a compor uma existência mais harmoniosa e feliz.

Como já disse, completo mais um ano de vida sim, e me encontro neste momento rodeado de um silêncio de árvores sombrias do Horto Florestal da capital do meu rico Mato Grosso do Sul, respirando toda a pureza do ar que me dá energia, me consola e me faz pensar em “crescer” sempre e ter ainda muito “ser” sobrando em minha vida, apesar dela, da nova idade estar batendo na minha porta.

“O que eu vou ser quando crescer?” - é a pergunta que de repente me vem à mente como para me renovar as esperanças.

Não quero ser escritor porque já sou e o repeteco é sempre indigesto, mas poderei ser astronauta, pianista, cantor de óperas, mesmo um vendedor de algodão-doce, de amendoim, talvez até um professor de zen-shiatsu... enfim, poderei ser tudo e não ser nada, apenas me deixar levar pelas sensações que a vida ao ar livre me proporciona em toda a sua plenitude, imaginando que o velho que irei me tornar (ou já me tornei?) será a continuação do homem que sou agora.

Todas as fases da vida são válidas e precisam ser honradas com amor. Cada faixa etária tem relação viva com todas as outras. Se hoje tenho 70, posso me reconhecer como a continuação do rapaz de 18 que fui um dia. Se você tem 18 carrega dentro de si o material que florescerá no futuro cidadão experiente de 70 anos. Assim, qualquer que seja a nossa idade ela sempre carregará heranças das idades do passado e as sementes que no futuro germinarão (ou não). O livre-arbítrio nos permitirá eliminar pela força da compreensão as sementes negativas e fazer germinar pela força da sabedoria as sementes positivas, dizem os livros.

O importante, dizem também os ensinamentos, é envelhecer longe dos conflitos, das amarras internas e viver intensamente o presente, dedicando-se mais e mais aos estados contemplativos. Em outras palavras: valorizar as idiossincrasias criando o próprio mundo, aquele mundinho imaginado na infância que parece retornar com toda a carga para que a natureza cíclica se complete, abrindo o caminho da nova estrada.

Com a idade passamos a ouvir as nossas próprias músicas, a sentir os nossos cheiros, a conversar as mesmas conversas corriqueiras, a amar o corpo que a gente deseja amar em hora certa. Passamos a ser os atores da estrada misteriosa que é a vida sem rejeitar o belo lado da juventude, sem desprezar as coisas boas que tecnologia moderna nos oferece, sem se afastar do convívio familiar, da prazerosa lembrança de uma amizade antiga ou da voz de um amigo que já se foi para sempre.Tornamo-nos os pródigos filhos das nossas manias, sim, e deixamos a vida fluir ao compasso de uma valsa de Johann Strauss.

A filosofia esotérica nos ensina que quando largamos o nosso velho corpo iremos para um longo período de descanso espiritual entre duas vidas, nesse local divino, chamado “devachan”, teremos uma existência abençoada até que o ciclo do renascimento comece outra vez e os nossos futuros pais se conheçam.

E consciente da natureza cíclica da vida universal, nesta hora de reflexão em que me encontro completando mais um ano de existência, forço o meu pensamento para acreditar que a vida seja mesmo infinita, só as formas sejam passageiras. E sinto uma maior felicidade quando me lembro que na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. A cada final corresponde um novo começo.

Então, como a criança indefesa que muitas vezes me habita e me domina, respiro profundamente este ar de agosto, contemplo carinhosamente a sombra que me envolve e outra vez me pergunto cheio de curiosidade: “O que eu vou ser quando crescer?”

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