segunda-feira, setembro 18, 2006

Um político decente.


Fernando Gabeira Posted by Picasa às vésperas de concluir o terceiro mandato: "Não podia mais ficar só pensando em grandes causas e me omitindo em relação ao que estava acontecendo no Congresso".
Eu presto atenção em Gabeira desde que voltou do exílio, o vi muitas vezes na rua, sempre à pé, um homem como qualquer outro, escrevi este post faz tempo, a aproveito para voltar a falar nele, afinal...

A utopia real de Gabeira

Copiei daqui da revista Veja online.

Aos 65 anos, o ex-guerrilheiro coroa uma
carreira de rupturas radicais como o principal
nome da luta pela recuperação da ética e da
credibilidade da política brasileira


O deputado federal Fernando Gabeira, candidato à reeleição pelo PV, está vivendo dias especiais. Aos 65 anos, o ex-guerrilheiro que voltou do exílio anistiado e com a cabeça cheia de temas avançados demais para o Brasil de então, como ecologia, sexualidade, drogas, tornou-se um símbolo da ética. Virou uma espécie de homem-elefante da política, um ser que, à semelhança do personagem do filme famoso de David Lynch, grita: "Eu não sou um animal político. Sou um ser humano, sou um homem...". Fernando Gabeira chama atenção pelas qualidades morais, pela sensibilidade, pela inteligência, características que marcam um imenso contraste com a fauna que o circunda no Parlamento. Além de seus eleitores habituais, de classe média da Zona Sul carioca, param para falar com ele motoristas de táxi, senhoras de cabelos brancos, circunspectos aposentados. Um grupo que, até pouco tempo atrás, ou não o conhecia ou o via apenas como um sujeito exótico. Ele está entre os dez nomes mais lembrados entre os candidatos a deputado federal no Rio de Janeiro e recebe mais de 1 milhão de visitas por semana em seu site na internet.

Mineiro de Juiz de Fora e carioca por opção, Gabeira é dono de uma trajetória única na política brasileira, marcada por rara independência. Começou a questionar os rumos da esquerda ainda no exílio. Naquele período, atraiu-o o pacifismo do indiano Mahatma Gandhi e do americano Martin Luther King. Deu-se então a segunda grande ruptura na vida de Gabeira. A primeira o levara à luta armada. Essa agora o fazia dar um adeus às armas. Sua paixão foi preenchida então pela luta de libertação pessoal. Ele se tornou ardoroso defensor do feminismo, encantou-se com os movimentos negros e adotou a agenda das minorias sexuais. Na volta ao Brasil, em 1979 bateu de frente com os antigos companheiros da esquerda que não estavam nem um pouco ligados em discutir a política do corpo, a descriminalização das drogas. Mais de uma vez foi acusado de traição no Congresso ao votar com "a direita", como a privatização da telefonia e a quebra do monopólio da Petrobras. Em 2002, apoiou Lula. Um ano depois, rompeu com o PT por discordar das práticas do partido no governo e no Congresso. Diz a cientista política Lúcia Hippolito: "Gabeira representa a face mais avançada da esquerda mundial, que não nega a modernidade, não rejeita o mercado nem a globalização e ao mesmo tempo defende as minorias. Ele não ficou embolorado naquela esquerda ultrapassada, albanesa". Gabeira tornou-se um guerrilheiro da lucidez, a materialização das utopias possíveis.


Na vida civil, Gabeira é o mesmo há muito tempo. Não come carne vermelha, anda de bicicleta e de moto e continua defensor da legalização da maconha. Sua frase famosa a respeito do tema dá uma idéia de como ele administra as esferas pública e pessoal de sua ética: "Aqui não fumo porque é contra a lei, mas, quando vou a Amsterdã, dou uns tapinhas..!". Fala baixo, usa o plural majestático. Mudou um pouco o estilo de vestir, que se tornou mais sóbrio, clássico, e está em ótima forma física. Tem um eleitorado fiel, que já lhe garantiu três mandatos (o primeiro em 1994) e uma boa votação em 1986, ano de criação do PV, pelo qual concorreu ao governo do Rio de Janeiro. Mas nunca foi um campeão de votos. Na campanha de 2002, quando se elegeu pela legenda do PT, obteve pouco mais de 40.000 votos e quase ficou fora do Congresso.

O ponto de partida de sua atual popularidade é inequívoco. Em setembro do ano passado, em discurso, enfrentou, de dedo em riste, o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. VEJA revelara dias antes que Severino recebia propina do dono do restaurante da Câmara. A intervenção de Gabeira pôs frente a frente o país da corrupção e do atraso e o país inconformado com a situação. "Vossa excelência está em contradição com o Brasil. Vossa excelência na presidência da Câmara é um desastre para o Brasil. Vossa excelência ou se cala ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo", disse o deputado, com veemência, infelizmente, rara no Brasil. Três semanas depois, Severino renunciou, derrubado por seu "mensalinho".

O deputado Gabeira teve participação decisiva na instalação da CPI dos Sanguessugas e também na aprovação em primeiro turno do voto aberto, há duas semanas. "Ele fazia o discurso de um grupo restrito, o Posto 9 de Ipanema, era uma audiência muito pequena. Quando foi em cima do Severino, teve a atenção de todo o eleitorado brasileiro, estava falando para 100 milhões de pessoas", diz Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Seu prestígio na classe política se ampliou na mesma proporção. Gabeira tem sido assediado por candidatos de outros estados – e até de outros partidos – para gravar depoimentos a ser exibidos no programa eleitoral gratuito. Até o momento, ele recusou. Mas vem aparecendo em quase todo o Brasil pedindo votos para o PV, que está ameaçado de perder a legenda por não atingir os 5% de votos exigidos pela cláusula de barreira.

"Eu não podia mais ficar só pensando em grandes causas e continuar a me omitir em relação à deterioração do Congresso", diz Gabeira. Quando Severino começou a agir para impedir a punição dos mensaleiros, ele decidiu partir para o tudo ou nada. A mesma convicção o moveu na briga pela instalação da CPI dos Sanguessugas. Diante do desinteresse dos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros (a quem chamou de "chefe de quadrilha"), pela CPI, chegou à conclusão de que seria impossível sobreviver sem tomar alguma atitude destinada a interromper o processo de degradação do Congresso Nacional. Aos olhos dos cínicos, a indignação de Fernando Gabeira é um tanto suspeita. Por que ele não se levantou antes contra a bandalheira que o cercava? Por que só reagiu agora? Gabeira já era parlamentar quando se votou a emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, processo que transcorreu sob o signo da suspeita de compra de votos. Não se ouviu sua voz condenando nada disso. Diz Gabeira: "Achei que bastava não me envolver com os corruptos e navegar ao largo da bandalheira até que vi que o Congresso estava chegando ao fundo do poço". Os cínicos continuam no direito de achar essa atitude de Gabeira um tanto alienada. Mas o certo é que ele, mais vez, rompeu com algo que se tornara insuficiente. Dessa vez rompeu com a ética passiva.

A nova frente de ação de Gabeira parte de um pressuposto. "Existe um grupo ético pequeno, um patrimonialista, para ser muito eufêmico, e muita gente indecisa, que pode votar com o lado ético nas decisões vitais para o país", resume, pragmático, o deputado. Para o cientista político Bolívar Lamounier, Gabeira é a figura mais habilitada para levantar a bandeira da moralidade na política porque não vive da política, mas para a política. Diz Bolívar: "Ele passou por uma reflexão pessoal intensa, está pensando o mundo, pensando sobre si mesmo. É de uma densidade que não se vê muito no meio político. E sabe expressar suas idéias".

O ex-guerrilheiro tem, de fato, idéias concretas para o que considera o sonho possível neste início do século XXI. Não se tornou partidário do capitalismo, mas admite que não existe no mundo atual nenhuma alternativa. "O que não se pode é propor algo mais ultrapassado ainda para substituí-lo", pondera. O caminho que decidiu trilhar é a defesa do desenvolvimento sustentado. No Brasil, isso significa modernização do capitalismo, o que em sua opinião exige em primeiro lugar melhorar a qualidade do gasto público, principalmente em saneamento e educação. "Em alguns programas, a atividade-fim fica em alguns casos com apenas 10% do Orçamento. O resto se perde na burocracia", afirma. "Isso reduz a capacidade de investimento do Estado, que é a mais baixa desde o pós-guerra, e desestimula, na seqüência, os investimentos privados." Para Gabeira, sem recuperar a capacidade de investimento, que vai criar emprego e melhorar a renda, não há programa social que funcione a contento para reduzir a pobreza.

É fácil achar elogios a Gabeira em figuras que, aparentemente, não compartilham nenhuma idéia com ele. Caso do senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL da Bahia. "A diversidade é que faz o Congresso, e ele tem um bom relacionamento com todo mundo", diz. A deputada federal Yeda Crusius, do PSDB, participou com Gabeira do movimento Pró-Congresso, pela moralização do Parlamento. Segundo ela, enquanto muitos estavam descrentes e querendo ir embora, Gabeira foi um dos que seguiram pelo caminho contrário, pregando que era hora de fazer resistência, e não de desistir. Diz ela: "Apesar de radical, ele é uma pessoa bem articulada com a sociedade, sabe usar a tribuna e tem um senso de oportunidade muito especial".

O cientista político David Fleischer, da UnB, sustenta que Gabeira catalisa a esperança de que a crise de credibilidade dos políticos resulte em melhores dias para o Brasil. Isso já aconteceu em outros países. Ele cita como exemplo o caso dos Estados Unidos, que, após a renúncia do presidente Richard Nixon, em decorrência do escândalo Watergate, promoveram, a partir de 1977, um "saneamento político", com novas regras de financiamento de campanha, entre outras medidas. Mais adiante, quando o presidente Bill Clinton enfrentou acusações de que teria favorecido ex-financiadores, o Congresso endureceu ainda mais as leis. Caso semelhante ocorreu na Alemanha, que também apertou o cerco às contas de campanha depois do episódio envolvendo o ex-chanceler Helmut Kohl, acusado de receber recursos indevidamente. "Quase todos os países passam por altos e baixos. Os exemplos mostram que é possível arrumar a casa", afirma Fleischer.

Gabeira resume com a lucidez que lhe é característica e a dose de sonho que considera possível sua avaliação quanto ao futuro do Congresso. Diz ele: "Minha tese é que estão dadas algumas condições históricas para fazer do Congresso um espaço decente e produtivo. Um espaço com o qual o novo presidente possa trocar idéias, e não moedas". O eleitorado parece concordar. Na semana passada, Gabeira foi nadar num clube carioca, como faz todas as manhãs, e encontrou a piscina lotada. Pediu licença para usar apenas uma raia. Ouviu em resposta: "Quem expulsou Severino Cavalcanti do Congresso pode usar até a piscina inteira". Gabeira nada de braçadas.

Veja mais aqui
Tem umas fotos ótimas.
O site do Gabeira é este

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