quarta-feira, abril 19, 2006
" A barra do amor é que ele é meio ermo" Arquivo 2005.
Foto Fernando
Natal, 31 de Março 2005
Acordei às cinco e meia da manhã, lembrando Bethânia cantando: ”Nada além, nada além de uma ilusão...” , lembrei do sonho que me fez despertar: sonhei com Juan, nos encontrávamos e depois de um longo abraço ele me dizia : “que bom que somos amigos porque se quisermos ser mais que amigos, poderemos ser”. Juan é um médico argentino que conheci há cerca de um ano no SPA Naturalis em Genipabu. Vocês devem estar pensando, ela num Spa? Pois é, eu estava lá convidada para fazer palestras para os clientes, falei de auto estima, amor e desamor, corpo e mente, homens x mulheres, dependendo do grupo eu escolhia o tema. Foi muito bom, gostava muito de estar com pessoas diferentes todas as semanas, foi um desafio, aprendi a falar para pessoas de lugares e credos diferentes. Conheci brasileiras que vivem em N.Y., Milão, Maranhão, Natal, Porto Alegre, Brasília, Rio, S. Paulo, era bastante diverso. Havia sempre mais mulheres que homens, mas também vinham alguns maridos, e esta figura preciosa, que é o Juan, encontrei um dia lá. Havia uma expectativa grande minha, haviam dito que ele era médico, tinha escrito não sei quantos livros, fiquei pensando o que fazer com este cliente. Ele estava só no Spa, às vezes acontecia de haver só um cliente, é mais difícil ficar tête- a- tête com alguém desconhecido sem a proteção de um enquadramento psicanalítico, como estava acostumada.
Cheguei antes da hora, ele estava em alguma atividade, caminhando na praia, eu acho, teria uma entrevista com a nutricionista, antes das seis, quando seria nosso encontro. De repente eu vejo um bonito homem sorrindo na minha frente, se apresentando e dizendo que em breve voltaria, me olhou nos olhos, fixamente. Fiquei ali lendo e lembrando daquele rosto masculino de um homem maduro, talvez 50 anos, de bigode, sorrindo. Estava ansiosa, não conseguia me concentrar.
Quando voltou ele disse: ”Sou todo seu”.
Sugeri que fossemos para o salão de cima, onde os funcionários não ficariam passando para lá e para cá.
Imediatamente houve empatia, eu nunca havia conhecido alguém que demonstrasse tanto interesse no que eu dizia, falamos em espanhol, falamos de literatura, filmes, yoga, meditação, budismo, é budista, medicina alternativa, assuntos diversos.
A graça do encontro é que ele é um neurótico obsessivo, como eu era, e ríamos das manias, ele dizia: ”Eu sou pior...” provavelmente é pior mesmo, eu já deixei muitas manias, rituais, depois do nascimento dos filhos, não dava tempo para cumprir os rituais, quem tem filhos sabe disto, mal temos tempo para nós...
Ele foi para Córdoba, trocamos cartinhas e ficamos amigos virtuais.
Mas por que o sonho? Por que acordar com: “é melhor a ilusão do amor...”? Porque eu tenho fugido de relações amorosas faz tempo. O amor antigo, dos poemas desta semana, passou a ser impossível diante da nossa distância e problemas circunstanciais, outros prováveis também estão longe... O sonho só comprova -eu disse outro dia que os sonhos são reveladores-o que eu já sinto, desisti de ter uma relação amorosa com cotidiano.
"A barra do amor é que meio ermo..."
17:40h.
Depois do texto postado, lembrei, como acontece em sessões de psicanálise algumas vezes, o trecho angustiante do sonho, o tal que me acordou, o trecho mais importante.
Depois do abraço, eu entrava num quarto de hotel sózinha, Juan me esperava do lado de fora.
Aí pula para uma situação angustiante, já estava há duas horas alí, ele me esperava, eu arrumava a cama, apressada, sem conseguir sair...
Corta, eu do lado de fora do quarto procurando Juan que não está mais à minha espera.
Agora fica tudo mais claro, não é?
Depois tem gente que duvida da psicanálise. Duvidam porque não conhecem.
Leiam a letra da música e vejam com é bonita.
Ouça :Nada Além.
Orlando Silva
Nada além
Nada além de uma ilusão.
Chega bem
Que é demais para o meu coração.
Acreditando
Em tudo que o amor mentindo sempre diz
Eu vou vivendo assim feliz
Na ilusão.
Se o amor só nos causa sofrimento e dor
E melhor bem melhor a ilusão do amor
Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão
Será que o poeta acima não está certo? Uma bela ilusão talvez agora me bastasse...Mas eu não creio em ilusões...
“A barra do amor é que ele é meio ermo, a barra da morte é que ela não tem meio termo”.
Elis cantava, acreditei ser de Torquato Neto, mas achei agora assinada por Lourenço Baêta e Cacaso, então não é de Torquato?
Esta é de doer:
Como tenho me matado
Por ter demais confiado nas evidências do amor.
Como tenho andado certo,
Como tenho andado errado
Por seu carinho inseguro
Por meu caminho deserto
Como tenho me encontrado
Como tenho descoberto
A sombra leve da morte
Passando sempre por perto
E o sentimento mais breve
Rola no ar e descreve
A eterna cicatriz
Mais uma vez, mais de uma vez
Quase que fui feliz
A barra do amor é que ele é meio ermo
A barra da morte é que ela não tem meio-termo
Para Torquato a vida não tinha meio termo. Matou-se aos 28 anos.
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