sexta-feira, outubro 28, 2005

Mini conto. A herança da avó.













Araucaria. Foto Ana Moraes.



Ela sempre foi velha, tinha mais de 50 quando eu nasci, vestia saia preta até as canelas, meias de lã grossas, sapatinho preto em pés muito pequenos, nunca saia de casa, fazia a comida todos os dias, cheirava a alho.

Não sorria, nem fazia carinhos nos netos, era soturna.

A casa vivia fechada, tinha não sei quantas fechaduras, corrente, chaves, numa época em que ladrões roubavam galinhas nos quintais.

Ao entrarmos no longo corredor escuro ao entardecer:

-Vó onde você está?

-Aqui na sala.

E lá estava ela sentada no sofá, mal a víamos, silêncio total.

No quintal havia morangos, poucos, nem bem amadureciam, ela catava e dava um para cada neto. Naquele quintal matava galinhas torcendo o pescoço, impregnada naquele cheiro nauseante de penas na água quente.

A coberta de cama tinha cheiro de sol, era preciso colocar na janela para evitar o mofo, um acolchoado de penas de ganso, os travesseiros...

Fomos embora para muito longe. Um dia voltei, ela agora realmente velha, beirava os 80 anos, pela primeira vez me olhou com carinho ao se despedir e chorou. Não sei se chorou por saber que estava se despedindo da vida ou por mim.

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