quarta-feira, setembro 12, 2007

Hoje é dia de Contardo






Contardo Calligaris

Folha, caderno Ilustrada, 13/09/2007


Um fotógrafo da modernidade


Bob Wolfenson fotografa a fronteira entre os sonhos da indústria e da natureza idílica

Muitos leitores devem se lembrar da exposição de Bob Wolfenson, em São Paulo, na Faap, em 2004: eram gigantografias de edifícios paulistanos, hoje reproduzidas em “Encadernação Dourada/Antifachada” (Cosac Naify).
No dia 11, abriu uma nova mostra de Bob Wolfenson; título: “A Caminho do Mar”. Se você está em São Paulo ou passará por aqui até 6 de outubro, visite sem falta a Galeria Millan (rua Fradique Coutinho, 1360): são sete imagens gigantes e oito grandes caixas luminosas, todas visões do pólo industrial de Cubatão. Para ter uma idéia da exposição e também das obras que mencionarei, confira aqui (clicar em “especiais”).
Desde o começo do século 19, não paramos de odiar as transformações que a indústria impõe ao mundo e à paisagem e, ao mesmo tempo, de sermos fascinados por elas. Na literatura, na pintura, no fotografia e no cinema, a fábrica é objeto de execração e fascinação.
Essa ambivalência está na crítica tradicionalmente feita ao modo de produção moderno: a fábrica é o lugar da exploração do homem, mas é também o espaço onde os descamisados se constituem como classe, descobrindo a solidariedade no trabalho e a grandeza que está na própria capacidade de transformar a matéria e de produzir. A fábrica é o lugar da alienação, mas é também o lugar do resgate, onde começa a se expressar o “homo faber”.
O operário na cadeia de produção é como um Prometeu acorrentado. Seu fazer é sofrido, mas ele contém e promete a criatividade e a maestria de quem detém a arte de modificar o mundo. Andy Warhol chamava seu ateliê de “A Fábrica”, e Oliviero Toscani fundou uma universidade com o mesmo nome.
Também, desde o começo do século 19, não paramos de sonhar com um universo idílico perdido, desde o “Domínio de Arnheim”, pequeno e decisivo texto de Edgar Allan Poe, até aos folders de pacotes turísticos. Atrás desse idílio, os paulistanos descem a serra, em massa.
Nessa descida para o mar, situa-se Cubatão: os prazeres da praia estão próximos, a mata já está lá, mas, logo naquela transição, ergue-se um emaranhado de tanques e chaminés jorrando fumaça. É essa fronteira entre dois grandes sonhos (ou pesadelos) modernos que Bob Wolfenson fotografou, inventando tonalidades soturnas consteladas de brilhos de fogos e luzes.
Suas imagens de Cubatão pertencem a uma tradição ilustre. A composição da maior fotografia da exposição evoca um quadro de Gauguin (“Usines de Cail et Quai de Grenelle”): basta substituir a estrada de terra pelo asfalto, o carro de boi pelo caminhão e a beira do rio pela promessa da praia.
Mas a exposição de Wolfenson, que nos deixa suspensos e divididos entre a fascinação e o sentimento de uma ameaça opressiva, faz pensar, sobretudo, nas melhores obras do futurismo italiano: as altas chaminés que aparecem nas composições de De Chirico, as paisagens de periferia de Mario Sironi e os projetos do arquiteto Antonio Sant’Elia.
Os futuristas idealizavam a modernidade industrial, mas, curiosamente, nunca conseguiam evitar um tom sombrio e ambíguo. Embora fossem apologistas do novo mundo rápido e eficiente, esse sonho, em seus pincéis, tornava-se inevitavelmente inquietante.
Qual inquietação? Olhe para as fotografias de Wolfenson perguntando-se “mas onde está Wally?”.
A nova exposição de Bob Wolfenson é também um tour de force: diapositivos de 20 por 25 centímetros impressos como gigantografias diretamente sobre folhas imensas de policarbonato ou transformados em caixas de luz também gigantescas e finas como telas LCD.
No domingo, passei um tempo assistindo à instalação da exposição. Uma pequena equipe ia virar a noite para resolver os últimos problemas decorrentes de desafios técnicos que não me pareceram acidentais. Explico.
As fotografias de Wolfenson são meditações sobre uma modernidade que nos atrai e nos aterroriza (como é dito na apresentação da mostra). Ora, propositalmente, o fotógrafo se impôs o desafio de usar técnicas novas e complexas. Na luta para dominá-las reside a ponta de otimismo que a exposição transmite: a paisagem industrial não pode ser de todo tétrica se o industrial pode se tornar industrioso, ou seja, se ele permite, por exemplo, o trabalho de uma equipe daqueles artistas-artesãos com os quais sonhava o modernismo de Walter Gropius.

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