Eu e Esta mira.

Ontem eu vi Estamira, se você viu o filme sabe o que eu possa estar sentindo. tenho forte empatia com psicóticos, me encantei com Estamira.
Quando Contardo falou aqui do filme, eu fiquei curiosa, queria ver, fui ver na FARN- uma Faculdade particular aqui em Natal. Chamei uma amiga nova- promessa de amizade- e fomos. Não vou repetir o que o Contardo disse aqui, eu penso como ele- vocês podem pensar, esta Laura vive dizendo que Contardo está certo, mas não é sempre que gostamos dos mesmos filmes, ele é mais generoso, eu sou mais crítica e chata. Ele diz que tem um preconceito positivo, eu devo ter o preconceito negativo, muitas vezes vou, ou nem vou, porque acho que não vou gostar, erro algumas vezes.
Estamira é forte e poderosa, louca, onipotente, briga com um deus que é 'desumano' e a abandonou, esbraveja contra injustiças, acredita que o mundo deveria se comunista. Tem uma teoria de que somos controlados por controles remotos invisíveis, um barato.
É afetuosa com filhos e amigos. Vive numa casa feita de restos do lixão, como uma casa qualquer, tem enfeites, sofá, faz café, macarrão. Difícil falar dela sem cair em clichês, eu me encantei, se um dia enlouquecer serei uma espécie de Estamira, tenho muito dela, muito da indignação, do discurso dela. A vida foi cruel, ela sabe, ela conta o que passou com lucidez, foi amada pelo pai, que morreu cedo, mas soube dizer a ela o quanto era especial, pela mãe- louca- de quem tem saudades e chora até hoje. Foi violentada pelo avô que a levou à prostituição. Traída pelo primeiro marido, vai embora, encontra um italiano por quem se apaixona, vão morar no Rio, ele a trai, ela vai embora- não suporta ser traída, prefere o trabalho no lixão, que faz com dignidade.
Fala com tanto ódio do italiano que transmite amor, canta musiquinhas em italiano, numa voz suave, gostosa.
Tem 3 filhos, o mais velho 'crente' a considera possuída pelo demo, ela esbraveja contra ele, revolta-se por ele não entender a mensagem dela- ela sabe tudo- a do meio em cima do muro, a mais nova foi criada por uma mãe adotiva e atualmente com mais de 20 anos diz que não tem certeza se fizeram a coisa certa, queria ter vivido perto da mãe- linda declaração de amor, acha que teria sobrevivido ao lixão- e é uma moça linda e bem cuidada.
Vejam o filme, é imperdível, todos devem ver, quem nunca viu um doente mental de perto vá ver, eles são pouco diferentes de nós, há um limite que nos separa deles, só isto, ultrapassado o limite, caímos no limbo da violência dos tratamentos para psicóticos, onde são amordaçados, literalmente ou pelos remédios- "dopantes", como diz Estamira e se recusa a tomar.
"Todos copiam, médicos e professores, se aprende aqui fora". Pois é, o que vale é a experiência, sabemos.
"O mundo imaginário existe, assim como o invisível".
Queria ver com legenda, perdi muito do que ela diz, fala muito, não dá para compreender tudo.
É o melhor filme que vi sobre este tema, todos devem ver. Agradeço ao diretor Marcos Prado que passou 4 anos escutando e filmando Estamira, é um presente muito especial para todos nós. Tenho certeza que pessoas que viam os doentes mentais como bichos, ou seres diferentes, estranhos, vão se surpreender.
Queria saber com está Estamira hoje, se ainda vive, a vida que leva é tão dura, tão sofrida, e ela diz que adora aquele trabalho, trabalho que a dignifica.
Esta- mira vê longe e deve ser respeitada.
Como o Contardo já colocou no artigo dele, o filme é fundamental para a discussão sobre internações em hospitais psiquiátricos, lembro de Paulo Delgado brigando por isto alguns anos atrás, não sei como ficou a situação- muitos são jogados nestas instituições e as famílias não os querem de volta, vi isto, é muito triste.